Muita gente sabe que a casa do Chico Buarque é o point do futebas dos artistas da MPB… o que quase ninguém sabe é que o Rei, Robert Nesta Marley, ja deu o ar de sua graça por lá, alguns meses antes de morrer, em 1980… Bob interrompeu as sessões de gravação que resultariam no álbum ‘Uprising’ para vir ao Brasil.
O trio jamaicano chegou as 16hOO do dia 19 de março de 1980 no km 18 da Avenida Sernambetiba – três horas atrasados – quando os funcionários da Ariola jogavam animadamente contra alguns dos contratados da gravadora no Brasil, como o anfitrião Chico Buarque, Toquinho, Alceu Valença e outros.
Logo que eles chegaram os times foram rapidamente rearrumados e ficaram assim: Bob Marley, Junior Marvin, Paulo César Caju, Toquinho, Chico e Jacob Miller de um lado; e do outro Alceu Valença, Chicão (músico da banda de Jorge – ainda Ben) e mais quatro funcionários da gravadora. Antes de começar o jogo Bob ganhou uma camisa 10 do Santos e sorriu, dizendo “Pelé” para depois explicar que jogava em qualquer posição. Mas ele foi mesmo para o ataque e o placar foi de 3 a 0 para o seu time, com gols dele (documentado pela TV – veja fotos desse jogo abaixo), de Chico e de Paulo César.
Este, que jogou na copa de 70, foi o mais festejado por Bob, que lhe disse: “Sou fã de seu futebol”, ao que Paulo César respondeu, “E eu, de sua musica”. Bob lembrou o campeonato mundial que marcou a ilha do reggae:
”Rivelino,Jairzinho, Pelé… o Brasil é o meu time. A Jamaica gosta de futebol por causa do Brasil”.
Sobre os brasileiros ele disse : “É fácil perceber que as pessoas aqui têm ritmo e feeling, não só no andar, mas no falar e no próprio interesse demonstrado pela música em qualquer uma de suas manifestações”. Para ele a mensagem do reggae tem grande importância, pois “os músicos devem ser porta-vozes dos grandes contingentes oprimidos. No nosso caso, a responsabilidade é maior por causa das nossas crenças religiosas. A própria filosofia do reggae explica tudo isso. O reggae surgiu do gueto e sempre foi fiel às suas origens, levando ao mundo uma mensagem de revolta, protesto e reinvindicação”.
O mundo à sua volta é percebido em cores fortes. “O Apocalipse está nas ruas, no dia-a-dia de cada um. É o meu povo que sofre, o povo da rua, o pobre. É dele que estou falando”. No entanto ele se mostrava profético em seu otimismo sobre o futuro do reggae: “O reggae não é nenhuma moda, agora está havendo um revival do ska, e quem está ouvindo essa musica é a geração jovem, até brancos. Isso é salutar como uma semente bem regada, não é uma moda. Isso vai crescer. Espere só, mon“.
Sobre Jah, o Deus do rastafarianismo ele apenas disse: “É como o seu Deus, pouca gente O conhece”.
Todos os jornais que cobriram sua visita destacaram o fato de que ele se mostrava sempre acessível e disposto, sem traço de estrelismo.
Naquele mesmo dia, pela manhã, eles trataram de dar algumas voltas pela Cidade Maravilhosa, fizeram questão de conhecer a favela da Rocinha, que acharam bastante parecida com os guetos da Jamaica. Como não haviam trazido um cozinheiro para Ihes preparar a comida I-tal – cozinha natural seguida pelos rastafaris – Bob, Junior e Jacob só se alimentaram com sucos de frutas. Segundo um acompanhante brasileiro, cada um bebeu quinze copos de suco e Bob gostou mais dos de manga e maracujá.
O motivo da vinda de Bob era participar da festa que inaugurou as atividades do selo alemão Ariola no pais. A Island, gravadora original dos Wailers, era então um selo da Ariola. A festa no alto do Morro da Urca foi no mesmo dia do jogo na casa do Chico – 19 de março – e teve mais de 1000 convidados e penetras, com direito a engolidor de fogo, cartomante e fogos de artifício. Bob Marley chegou com os amigos às 22h00, e foi logo para um camarote.
Tranqüilo, apesar de muito assediado, conversou com Moraes Moreira, Marina e com os participantes do jogo As pessoas estranhavam o fato de ele não beber, o que era explicado por suas convicções rastas. Baby Consuelo, que havia feito uma versão de “Is This Love”, tentou ir lá cumprimentá-lo mas não conseguiu.
Depois dos discursos dos diretores da gravadora ele se afastou para assistir a apresentação de Moraes Moreira, que começou às 24h00 e fez a pista de dança encher. A agitação foi tanta que Bob deve ter percebido o significado da expressão “Rio Babilônia”. A esperança geral era de que ele desse uma canja. Moraes chamou Baby no palco para cantar a sua versão e talvez fazer Bob se decidir. Mas nessa hora ele já estava se levantando e arrastando repórteres, fotógrafos e curiosos à sua passagem, falando com os jornalistas enquanto se encaminhava para o bondinho.
Na manhã do último dia que Bob passou no Brasil, terça feira, 20 de março, uma conferência de imprensa foi organizada às pressas, pois provavelmente ninguém pensou em fazê-la na manhã anterior. Mas mais uma vez, os jornalistas se atrasaram e a conferência acabou sendo bem curta.
Durante a entrevista, ele declarou que ” Músicos devem ser porta- vozes para as massas oprimidas. No nosso caso, a responsabilidade é ainda maior por causa de nossas crenças religiosas. A filosofia do reggae explica tudo isso. O reggae se propagou a partir dos guetos, e tem sido sempre fiel a suas origens, trazendo ao mundo uma mensagem de revolta, protesto e luta pelos direitos humanos.”
Aqui estão mais alguns trechos da entrevista:
P: “Você está gostando desta viagem? O que você acha da música brasileira?”
R: “Bom…Eu amo o futebol brasileiro, e nós ouvimos falar muito do Brasil durante a Copa do Mundo. O Brasil é sempre o primeiro time a ser mencionado na TV e nos jornais. Paulo César é o meu jogador favorito.”
P: “Gilberto Gil vendeu 500 mil cópias de “Não chores mais” no Brasil. Como você explica isso?”
R: ” Bom, é fácil de explicar… O reggae tem o mesmo gosto que vocês conhecem, as mesmas raízes e a temperatura que o samba tem. Nós somos próximos.”
P: “Você vê Bob Marley como um superstar do rock?
R: Não cara….isso é um engano sabe? E eu toco reggae…não rock!!! (risadas). Eu não sou um “Mick Jagger”, minha música transmite outra mensagem. E o reggae não é uma música momentânea como o Twist foi. Na Inglaterra, o Ska está voltando às rádios, e quem está ouvindo é a nova geração, até mesmo os brancos. O reggae está crescendo cara…..apenas espere e veja….”
P: “Bob, você pode mandar uma mensagem para o povo brasileiro?”
R: “Cara, é fácil perceber que os brasileiros tem ritmo, tem bossa, não apenas no jeito que eles se movimentam e falam, mas no interesse que eles mostram pela música, em todas as manifestações musicais. Eu gostaria muito de ter a oportunidade de um dia ter uma relação profunda com os brasileiros. Eu acabei de passar apenas 2 dias aqui, mas tenho curtido muito todo o tempo que passei, e tive a chance de conhecer músicos que fazem um bom trabalho, como Gilberto Gil. Eu joguei um pouco de futebol e vou voltar em setembro para jogar aqui e para ficar mas próximo das pessoas.”
Bob Marley e amigos partiram na mesma tarde do dia 20 de março, quinta-feira, para a Jamaica. Junior Marvin contou que durante essa viagem Bob começou a compor várias músicas que ficariam inacabadas.
Contou também que eles planejavam incluir o Brasil na turnê mundial que aconteceria no segundo semestre de 80 e o Inner Circle iria abrir os shows, o que foi citado por vários jornais da época. No entanto, dois dias depois de voltar à Jamaica, no dia 23 de março, Jacob Miller morreria num acidente de carro em Kingston. No final, do mesmo ano, Bob Marley sentiu de maneira contundente os sintomas da doença que o levaria em maio de 81. O sonho de uma apresentação de Bob Marley no Brasil jamais se concretizou.
O Rei Marley voltou pra casa carregado de instrumentos percussivos brasileiros.
No avião, voltando para a Jamaica, Bob ainda compôs, inspirado no samba, a música Could You Be Loved, um clássico com raízes brasileiras. É possível inclusive ouvir a cuíca soando na introdução da música.
Veja a reportagem que a TV Globo fez na ocasião da visita do Rei do Reggae ao Brasil (não leve em consideração nenhuma das informações sobre o reggae, a Globo não teve capacidade de dar uma bola dentro!):
Fotos e Fonte: Massive Reggae e ALBUQUERQUE, Carlos. O Eterno Verão do Reggae. São Paulo: Editora 34, 1997.
Postagem publicada originalmente no dia 3 de Novembro de 2008. Re-publicada no dia 6 de Fevereiro de 2010 em homenagem ao nascimento de Bob Marley, que completaria nesta data 65 anos de vida.
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Vale lembrar que essa partida ocorreu provavelmente no campo do grande Politheama F. C. O “personal time” de Chico “dono-da-bola” Buarque
Caramba que legal!!!! Amo muito a música, o estilo e toda a filosofia que ele passava e passa pra gente… e não saiba disso nem tinha visto essas fotos. Valeu pela informação! O seu blog é muito legal!