Em comemoração à Páscoa, preparei uma série especial de postagens que investigam as várias verdades relacionadas à Morte-Ressurreição. Hoje falarei sobre o mito cristão e as origens da celebração da Páscoa, uma data importante tanto para pagãos quanto para judeus e católicos. Na sexta-feira da Paixão e no sábado de Aleluia, publicarei uma versão herege da história, contada pelo apóstolo João, que foi condenada pela Igreja Católica Apostólica Romana.

Páscoa Pagã
A antiga civilização de Creta, que teve seu apogeu entre 2500 e 1250 a.C. já possuía o mito do deus morto e ressuscitado, Dumuzi-absu (Filho Legítimo do Abismo no antigo idioma Sumério), que estava relacionado com duas poderosas deusas, a deusa Inana, dos vivos e a deusa dos mortos, a terrível Rainha do Mundo Subterrâneo Ereshkigal. Osíris era seu equivalente no Egito Antigo.
Na Grécia Clássica, posteriormente, surgiu deste mito egípcio, sumério e cretense a grande tríade dos Mistérios de Elêusis: Deméter (a deusa-mãe Terra), Perséfone (Rainha do Mundo Subterrâneo) e Adônis (Osíris-Dumuzi).
O grande senhor sumério da morte e do renascimento, Osíris-Dumuzi-Tammuz-Adônis é também relacionado ao touro, animal que na mitologia sempre se refere a mitos matriarcais e ao ciclo da Lua (ciclo menstrual de 28 dias=ciclo da lua), e ao deus grego Dionísio.
Assim, Dumuzi, Tammuz, Adônis, Dionisio e Osíris são encarnações do mito do deus morto e ressucitado, senhor do renascimento e redentor da humanidade.

Diferentes religiões e mitos, a mesma data
A data em que o mito pagão do deus morto e ressucitado era celebrado levava em consideração o ano solar e o ciclo lunar
Ciclo lunar: no décimo-quinto dia de cada mês lunar, o pôr da lua cheia (representada pelo touro lunar: sacrifício) confronta o brilho do sol nascente (Mitra Tauroctonus), que a atinge diretamente na terra. Depois disso, a lua míngua.
Ciclo solar: no equinócio da primavera, o dia e a noite se igualam, e a partir daí, o Deus Sol volta a reinar sobre a terra, pois os dias ficam mais longos.
Até hoje a Páscoa é celebrada no primeiro domingo depois da lua cheia seguinte ao equinócio da primavera (no hemisfério norte, de onde tais mitos são provenientes). Simboliza assim, a morte do Deus-lua, filho-esposo da Grande Deusa do Mundo Inferior, e seu renascimento como Deus-sol, filho-esposo da Grande Deusa Terra.

Páscoa dos Judeus
A festa da Páscoa judaica, chamada Pessach (Passagem), celebrada pela primeira vez em 621 a.C., em comemoração ao Êxodo (passagem dos judeus do Egito para a Terra Prometida], ocorre na mesma data da ressureição anual do deus Adônis. Tanto no culto pagão [à Adônis] quanto no cristão, a ressureição é de um deus, ao passo que no judaísmo, é [a ressureição] do Povo Escolhido.
Enquanto em outras religiões o princípio da vida divina é simbolizado por um indivíduo divino (Dumuzi-Adônis-Átis-Dionisio-Cristo), no judaísmo é o Povo de Israel, cuja história mítica exerce, desse modo, a função que em outros cultos pertence a uma corporificação ou manifestação de Deus.

O Cristo Ressucitado
O evento mitológico recorrente da morte e ressurreição de um deus, que fora por milênios o mistério central de todas as grandes religiões do Oriente Próximo nuclear, tornou-se na doutrina cristã um evento temporal, que ocorre apenas uma vez e marcara o momento da transfiguração da história. Pela Queda de Adão junto à Árvore do Jardim, a morte havia chegado ao mundo. Pela aliança de Deus com os Filhos de Israel, um povo foi preparado para receber e encarnar o Deus Vivo. Por intermédio de Maria aquele ser divino chegara ao mundo, não como mito, não com símbolo, mas em carne e osso, historicamente. Na cruz ele proporcionou aos olhos e ao coração um sinal silencioso, que foi interpretado distintamente à luz dos diferentes pontos de vista das diferentes seitas, mais foi para todos – seja qual for a interpretação – uma força prodigiosa tanto afetiva quanto simbólica.

O fato é que apenas duas décadas após sua morte, a Cruz do inspirado e inspirador jovem anunciador do Dia de Deus, cruxificado sob a administração de Pôncio Pilatos (o procurador romano da Judéia de 26 a 36 d.C.), já tinha se tornado, para seus seguidores, o símbolo compensatório da Árvore da Queda no Jardim.

Os primeiros documentos cristãos que chegaram até nós são as cartas de Paulo, 51 a 64 d.C., escritas a seus connversos das agitadas cidades mercantis helenistas [gregas], nas quais ele introduzia a nova fé. Nelas, a imagem fundamental da Queda pela Árvore e Redenção pela Cruz já estava definida firmemente:

Com efeito, visto que a morte veio por um homem, também por um homem vem a ressurreição dos mortos. Pois, assim como todos morrem em Adão, em Cristo todos receberão a vida.
( I Epístola de Paulo aos Coríntios -15:21-22 – cerca de 54 d.C.)

Páscoa dos Católicos
Tendo conquistado para si todo o império por volta de 324 d.C., Constantino, o Grande, começou a consolidá-lo em um único bloco espiritual [unificando assim os fundamentos da Igreja Católica Apostólica Romana]. Anos antes, o ainda pagão Constantino teve uma visão de Cristo, às vésperas de uma batalha decisiva. Ele viu no céu uma cruz brilhando. Na noite seguinte, Cristo apareceu-lhe e o mandou adotar tal símbolo como seu estandarte; o que ele fez e, conquistando a vitória, manteve lealdade à cruz.
Sua primeira atitude ao se tornar Imperador foi extirpar as heresias. Com essa finalidade, convoucou em 325 o Concílio de Nicéia. Mais de 300 bispos compareceram, de todas as províncias do domínio. Após um sermão do imperador sobre a necessidade de unidade, eles iniciaram o trabalho, primeiro fizando uma data para a Páscoa e, em seguida, definindo o credo do Catolicismo e o cânone estabelecido.
Ironicamente, a religião do Redentor sofreu durante toda a história a degradação de sua identificação com a política.

A Gnosis censurada pelo Concílio de Nicéia
Entre as heresias banidas pela reunião promovida por Constantino, a corrente gnóstica foi uma das congregações mais perseguidas.
Em uma Carta do apóstolo Paulo à Colossas, na Ásia Menor, por volta de 61-64 d.C., ele adverte seu rebanho dos perigos das seitas cristãs gnósticas. Constantino e seu Concílio eliminaram todo vestígio de gnose (gnosis=verdade) no Novo Testamento.


Manuscritos do Mar Morto e outros achados recentes

Assim como os Manuscritos do Mar Morto [escritos pelos essênios], cerca de 38 obras gnósticas coptas foram encontradas no Alto Egito em 1945. Dentre elas, “A Sabedoria de Jesus Cristo”, “O Apócrifo de João” e “O Evangelho de Maria”.
Foi encontrada também, parte de uma obra com influência gnóstica e ortodoxa conhecida como os “Atos de João”, atribuída ao suposto autor do Quarto Evangelho, e freqüentemente citada, foi lida em voz alta no Concílio de Nicéia e formalmente condenada. A passagem lida no Concílio foi justamente a que relatava a Paixão de Cristo e sua Ressurreição. Não perca esta versão condenada pela Igreja Católica, aqui no Irradiando Luz!

Para saber mais, leia também: Mensagem de Páscoa, do blogue Simplesmente SER o UM no TODO-UM.

Fonte: CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de Deus – v. 3. Mitologia Ociental. São Paulo: Palas Athena, 1994.
Fotos: Crucifixion of Jesus, por _emile_; Mar Morto, por Gabriel Dread.

4 Comentários

  1. Shin Tau

    Olá Gabriel,

    que belo texto!!! Considero importante que se divulgue toda a história por trás de uma história imposta e muitas vezes fabricada. A gnose é um tema que me atrai muito, mas ainda não encontrei nada que me cativasse ou que ecoasse dentro de mim.
    Quanto a este texto, suscitou em mim uma pergunta que há muito martela na minha cabeça mas vou aguardar pelo resto 🙂

    Um abraço e uma páscoa em paz

    Shin Tau

    Responder
  2. Gabriel Dread

    @Shin Tau: Espero que tenha lido a continuação desta postagem. Ficou muito melhor no final! rsrsrsrs
    Fiquei curioso: qual sua pergunta?
    Foi respondida com as postagens seguintes?

    Virei seguidor do teu blogue Grimoire – O Livro sobre o Caminho do Meio, muito bom!

    Abração
    Gabriel Dread

    Responder
  3. Shin Tau

    Olá Gabriel,

    claro que li 🙂 mas fiquei tão maravilhada que nem havia palavras para descrever o meu estado. O hino que partilhaste é tão lindo, ainda me enche o coração de alegria e luz só de pensar nele, tal é a sua força.

    A minha pergunta, não chegou a ser respondida, mas também não sei se é uma pergunta à qual me poderás responder. Mas creio que a tua opinião poderá ser uma ajuda.
    Nesta época que falávamos, a Páscoa, vem ao de cimo uma questão que sempre me incomodou e que a igreja católica perpetua. A redenção através do sofrimento. Como partilhaste Jesus foi um não-sofredor, mas sofreu, e isto querer dizer muita coisa para mim, que ele nunca se sentiu vítima, apesar de ter sido mutilado, que sofrer não quer dizer que tenhamos de ser sofredores.
    Isto sempre foi uma peça solta na minha compreensão da visão católica sobre Jesus, um iniciado, talvez o último grande iniciado, mas que sinto que a sua mensagem não foi bem transmitida.
    Eu disse que não era bem uma pergunta, mas mais um peça fora do puzzle.
    Não te sintas na obrigação de responder 🙂 já foi bom poder desabafar (rkrkrkrkrrk)

    Quanto ao seguires o Grimoire é uma honra 😉 quanto mais o achares bom! Humildemente grata,

    Shin Tau

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  4. Gabriel Dread

    E aí I-rmã?

    Recomendo que dê uma olhada na minha postagem O Sofrimento é necessário?Abordo justamente esta contradição.
    Acho que esta visão herege já é um pouco menos conflituosa com todos os ensinamentos de Jesus a respeito do Amor.

    Abração
    Gabriel Dread

    Responder

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