A Paixão da Páscoa segundo os “Atos de João” [condenada pela Igreja Católica]
A passagem dos “Atos de João” que relata a crucificação e Ressurreição de Jesus Cristo foi lida e condenada no Concílio de Nicéia, em 325 d.C.
É a afirmação mais iluminadora que nos resta da visão gnóstica cristã primitiva:
E quando ele foi pregado na cruz, a escuridão recaiu na sexta hora sobre toda a terra.
E eis que meu Mestre estava de pé no meio da cova, iluminando-a, e disse:
“João, para a multidão lá em Jerusalém eu estou sendo cruxificado e perfurado por lanças e varas; vinagre e fel me foram dados para beber. Mas a você eu digo e preste atenção no que digo. Secretamente eu lhe fiz subir este monte, para que aprendesse o que um discípulo deve aprender do seu mestre, e o homem de Deus.”
Com essas palavras ele me mostrou-me uma cruz de luz, e em volta da cruz uma multidão indefinida. E naquela cruz de luz havia uma forma e uma aparência. E sobre a cruz eu vi o próprio Mestre e ele não tinha forma alguma, mas apenas voz; e uma voz não como a que nos era familiar, mas uma voz doce, suave e verdadeiramente de Deus, dizendo-me:
“João, é necessário que haja um que ouça de mim essas coisas, pois tenho necessidade de alguém que as ouça. Esta cruz de luz é às vezes chamada por mim de Palavra, para seu benefício; é chamada às vezes de Mente, às vezes Jesus, às vezes Cristo, Porta, Caminho, Pão, Semente, Ressurreição, Filho, Pai, Espírito, Vida, Verdade, Fé, às vezes Graça.
Assim ela é para os homens. Mas o que é na verdade, como concebida em si mesma e expressa entre nós, é a delimitação de todas as coisas, e a firme elevação de coisas fixas surgidas de coisas instáveis, e a harmonia da sabedoria – da sabedoria que é harmonia.
Mas há forças de direita e forças de esquerda, potências, poderes angelicais e demoníacos, poderes eficazes, ameaças, explosões de ira, diabos, Satanás e a raiz inferior da qual surgiu a natureza do Vir a Ser. E assim é essa cruz que uniu espiritualmente o Todo e que demarcou o domínio da mudança e o domínio inferior, e que fez com que todas as coisas se elevassem.
Não é aquela cruz, a cruz de madeira que você verá quando descer daqui; tampouco sou eu a quem você não consegue ver, mas cuja voz só você pode ouvir, o que está na cruz. Eu fui considerado ser o que não sou, não sendo o que era para muitos outros: o que eles dirão de mim é desprezível e não merecido por mim. Aqueles que nem me vêem nem podem nomear o lugar do silêncio, muito menos poderão ver o Senhor.
A multidão de muitas feições que se aglomera em volta da cruz é a natureza inferior. E se aqueles que você vê em torno da cruz não tem ainda uma forma particular, então todas as partes daquele que desceu ainda não se uniram. Mas quando a natureza da humanidade tiver sido elevada e uma geração de homens movidos por minha voz aproximar-se de mim, você, que me ouve agora, estará unido a ela e o que agora é não será mais. Mas você então pairará acima daqueles, como eu agora.
Porque enquanto você não se chamar a si próprio de meu, eu não serei o que sou. Quando você me ouvir, porém, será um ouvinte como eu próprio. Pois isso você é através de mim.
Por isso não se preocupe com os muitos e despreze os profanos. Saiba que eu formo um todo com o Pai e o Pai um todo comigo. Nada do que eles dirão de mim eu terei sofrido. Mesmo a paixão que eu revelei a você e aos outros, na dança circular, eu gostaria que fosse chamada de mistério. Pois o que você é, o que você vê, eu lhe mostrei: mas o que sou, apenas eu sei e nenhum outro homem. Permita-me então ficar com o que é meu, mas o que é seu, observe através de mim; e veja-me em minah essência, não pelo que eu disse que era, mas como você, que é meu próximo, me conhece.
Você ouviu dizer que eu sofri, mas não sofri.”
“Um não-sofredor eu fui, porém sofri.
Perfurado eu fui, porém não injuriado.
Pendurado eu fui, porém não pendurado.
Sangue escorreu de mim, mas também não escorreu.”
“Em resumo, o que eles dizem de mim, isso eu não sofri; mas o que eles não dizem, eu sofri. O que é, eu insinuo num enigma, pois sei que você compreenderá. Conheça-me, então, como o louvor da Palavras, a transfixação da Palavra, o sangue da Palavra, a ferida da Palavras, o pendurado da Palavras, o sofrimento da Palavras, a cravação da Palavras, a morte da Palavra. E assim em meu discurso distingui o homem de mim mesmo.
Primeiro, portanto, conheça a Palavra, a natureza interna, o significado. Então, você conhecerá o Senhor e, por último, o homem e o que ele sofreu.”
Quando ele acabou de dizer-me isso e ainda mais, que eu não sei dizer como ele gostaria que eu dissesse, ele se levantou e ninguém na multidão o viu. E quando eu desci, ri de todos, porque ele me contara o que tinham dito a seu respeito. Retive esta única coisa em mim mesmo: que o Senhor realizava tudo simbolicamente, para a conversão e salvação dos homens.
Fonte: CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de Deus – v. 3. Mitologia Ociental. São Paulo: Palas Athena, 1994.
Foto: Sacred Heart of Jesus, por mike52ad
Gabriel
Tenho acompanhado os últimos posts. Jesus é uma figura muito especial na minha vida. Boas amendas e ovos de Páscoa.
Abraço
António
Como podem ter condenado livros tão lindos e enriquecedores da bíblia sagrada?
Gabriel!
Quanto aprendizado nesse texto!
Ficarei com esta imagem e meditarei a respeito.
Outra coisa…
agradeço suas palavras nos comentários do post de aniversário do Navegante, lá no Cova do Urso.
Beijo grande
Astrid
@Andressa: A Igreja Católica Apostólica ROMANA que estava se consolidando naquela época não podia admitir heterodoxia. Assim, perseguiu os hereges e baniu as heresias. (Heresia significa discordância).
Atualmente, acredito que a Igreja não tem coragem de olhar para seu passado brutal e rever posições passadas que não fazem mais sentido hoje em dia.
@Astrid: que bom que ainda sou capaz de te passar algum conhecimento! Achei que só eu aprendia com você! rsrsrsrs! Feliz Aniversário ao teu projeto!
Abração
Gabriel Dread