O que nem uma bala no peito foi capaz de matar
Em outubro completou-se um ano da Ocupação Beatriz Nascimento. Um ano de um movimento que nem uma bala no peito foi capaz de matar. Esse ano é o símbolo da resistência de cerca de duas mil famílias que estão prestes a serem enquadradas como terroristas. Retrocedendo na trajetória de famílias desabrigadas e sem condições de enriquecer ainda mais no capitalismo dos aluguéis, que passarão a ser tratadas como terroristas nacionais.
Durante a fala de uma moradora da ocupação em um palco improvisado na areia dura ,que quando chove se transforma no símbolo real de “movimento pé no barro”, a afirmação na comemoração do aniversário de que dali ela só saia “com a chave na mão”, foi possível perceber que o que move aquelas pessoas é o sonho de ter seu direto básico a moradia digna atendido. Seriam eles os terroristas dos sonhos?
Mas as falas não foram apenas de agradecimento na noite de 01 de novembro, foram de medo também. Pela vida de cada um e cada uma que ali estavam, pela vida de seus filhos e pela vida do movimento. Um dos coordenadores do Movimento dos Trabalhadores sem Teto em Sergipe falou sobre o medo ser o parceiro da solidão. O recado era de que enquanto cada morador da ocupação estivesse segurando a mão do seu e da sua camarada, ninguém estaria sozinho ou sozinha, portanto, ninguém deveria sucumbir ao medo.
Criminalizados eles já são por toda uma sociedade que acredita que quem não tem como sobreviver ao mundo capitalista é por escolha, é porque são vagabundos e sustentados pelo Estado. Criminalização essa que parte do olhar daqueles que abaixaram tanto a cabeça para o mundo que só tem olhos para o próprio umbigo. Em 2016 a Lei Antiterrorismo foi sancionada e a nova proposta é que seja “endurecida”, como se a vida dos sem teto do país já não fosse dura demais. Mas, qual o conceito por trás desse endurecimento? Seria a fala daquele que foi eleito afirmando que seus opositores seriam eliminados? Que os vermelhos seriam banidos?
Outra moradora afirmou na comemoração que o vermelho da camisa que vestem significa a cor do sangue daqueles e daquelas que lutam pela vida todos os dias. A fé, representada naquela noite por um Babalorixá, é o que move as famílias para a luta. Ali ninguém é ensinado a desrespeitar ninguém, não se faz apologia a nada que vá ferir os diretos humanos e, principalmente, ali é um espaço de aprendizado ao respeito a dignidade humana. Terrorismo é bradar raivosamente que eles são os que deveriam desaparecer.
A placa da brinquedoteca e da escola de alfabetização dentro dos muros da Beatriz Nascimento também foram pregadas durante as falas. Barracos construídos por muitas mãos para que os moradores possam ter acesso àquilo que lhes são negados. Uma das educadoras populares afirmou de forma contente que o projeto de alfabetização serve para que eles “aprendam a ler as letras porque a vida todos já sabem ler”.
Os ataques nacionais e estaduais (como o pedido de reintegração de posse ainda durante o primeiro turno das eleições deste ano) mostram que aquelas mãos precisam de muitas outras mãos para segurar firme durante o momento tenebroso – e vergonhoso – que se aproxima. Mas, é certo que muita gente não sabe o que é terrorismo de verdade, se soubessem não diriam que a população invisibilizada socialmente que só sonha em ter seus direitos garantidos são os verdadeiros terroristas. É ainda mais certo que essas famílias vão se proteger e proteger o movimento e, de certa forma, sempre sairão vencedores. “Quem não pode com a formiga não assanha o formigueiro”.
Vida longa ao MTST Sergipe! Vida longa a Beatriz Nascimento!
Obs.: Esse texto não tem nomes para não colocar mais ninguém e um risco ainda maior. Jornalismo também deve garantir a segurança dos envolvidos mesmo que isso signifique uma matéria pouco confiável e de fontes duvidosas. Mas escolhi proteger pessoas visto que, aprendemos durante as eleições que nenhuma fonte é mais confiável que o tio do zap no grupo da família ou da igreja. Acredite quem quiser, mas eu acredito na luta real aqui relatada. Esse texto é um texto emocional.
Autora: Marília Souza Santos (Poço-verdense, feminista e jornalista). Publicado originalmente na Revista Rever.
Após muita luta, MTST Sergipe conquista terreno para Ocupação Beatriz Nascimento
No último dia 7 de junho, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto obteve uma enorme e significativa vitória: a notícia da conquista da posse do terreno da Ocupação Beatriz Nascimento, no bairro do Japãozinho, Aracaju. Ao todo, cerca de 1.300 famílias vivem atualmente no local, que foi ocupado pelo MTST em novembro de 2017.
Pertencente ao poder público, descobriu-se que o terreno abandonado havia sido designado para receber uma escola há cerca de cinco anos. No entanto, o Governo de Sergipe garantiu que tanto a escola quanto as unidades de moradia popular vão ser construídas, coexistindo lado a lado. A unidade de educação deve atender toda a demanda local, segundo estudos feitos a pedido do governo.
“Logo que a gente ocupou, a gente já abriu mesa de negociação e sempre foi bem atendida pelo Governo do Estado”, conta Izadora Brito, advogada e militante do movimento. A gestão do governador Belivaldo Chagas (PSD) — anteriormente de Jackson Barreto, que renunciou — se mostrou receptiva às propostas do MTST desde o início das converas, mesmo porque inexistiam programas de habitação nas políticas de governo.
Desde os primeiros dias da Ocupação Beatriz Nascimento — nome em homenagem à sergipana falecida em 1995, mulher negra ativista pelos direitos humanos, que também foi historiadora, escritora, poeta e professora — ocorrem frequentemente rodas de conversa de mulheres, atividades culturais para jovens e adultos, rodas de leitura, de capoeira e sessões de cinema seguidos de debate.
“É uma conquista muito importante porque o MTST aqui em Sergipe tem pouco tempo, cerca de um ano recém-completado, e essa vitória vem pra consolidar a nossa luta que vem sendo travada diariamente”, definiu Izadora.
A conquista também vem em boa hora já que, há cerca de um mês, outra ocupação do MTST em Aracaju sofreu reintegração e até mesmo um atentado a tiros que atingiu a acampada Nathannelly dos Santos, em disparo efetuado pela Guarda Municipal. Nathannelly passa bem e as acampadas e acampados da Ocupação Marielle e Anderson Vivem foram transferidos para um galpão na capital sergipana.
Nos próximos dias, o governador Belivaldo Chagas vai passar oficialmente o termo de posse das futuras moradias. O processo de cessão do terreno ainda deve ser aprovado pelo Legislativo estadual, além da Procuradoria Geral de Sergipe. O governo já se comprometeu a auxiliar e acompanhar todas as etapas do processo.
Publicado originalmente no site do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST. Fotos por Thiago Leão.
0 comentários