MST terrorista? Criminalizar MTST e movimentos ditos sociais que invadem propriedades?!

por | 02/11/18 | Revolução | 3 Comentários

Criminalizar o MST, mtst e outros movimentos ditos sociais que invadem propriedades
Criminalizar o MST, mtst e outros movimentos ditos sociais que invadem propriedades, é a proposta de um cidadão no site do senado.

“Tem que criminalizar terroristas dos ditos movimentos sociais que fazem invasão tipo o mst e o mtst”

Tem alguns pontos aqui que precisam ser esclarecidos

MST e a Reforma Agraria

1- Movimentos sociais fazem invasão ou ocupação?

A tática adotada pelos movimentos urbanos por moradia (como o MTST) , ou rurais por reforma agrária (tal qual o MST), não é invasão, mas sim ocupação de imóvel sem função social.

No Brasil, de acordo com a Constituição Cidadã de 1988, o direito à propriedade é limitado.

Isso significa que no nosso país, a propriedade privada não está acima de alguns valores fundamentais.

Um desses valores é o bem estar humano. Outro é o direito à moradia digna.

Graças as garantias da nossa Constituição Federal, um imóvel urbano abandonado, que não esteja cumprindo função social, deve ser desapropriado pelo estado e colocado à serviço da população.

O mesmo deve acontecer com imóveis rurais improdutivos e abandonados.

MTST objetivos da luta por moradia

2- Desigualdade social e econômica e ineficácia do estado

Mas desde a Constituição de 88, o estado brasileiro pouco fez para desapropriar e reapropriar imóveis abandonados, pelo menos sem que a sociedade pressione.

O Brasil tem concentração imobiliária e desigualdade absurdas. Alguns latifundiários tem terras maiores que países da Europa. Essa é a nossa herança histórica. Desde que o Rei de Portugal dividiu as terras de Pindorama em capitanias hereditárias, as oligarquias rurais mandam neste país.

Nos grandes centros urbanos, especialmente nas regiões centrais, a concentração de renda e a especulação imobiliária, combinadas com um refluxo da elite para subúrbios e condomínios de alto padrão, criam situações bizarras, como a gentrificação e o abando de prédios inteiros.

Temos um deficit habitacional inaceitável, chegando à faltar 6,35 milhões de domicílios no país.

São mais de seis milhões de famílias que estão em situação precária de moradia. Sua vulnerabilidade dificulta o acesso a serviços sociais e direitos assegurados na constituição, pela falta de comprovante de residência, por exemplo. Imagine então conseguir emprego! É gente que não consegue nem trabalhar justamente porque não tem casa.

Ao mesmo tempo, estima-se que 7,9 milhões de domicílios estão vazios e abandonados, com potencial de ocupação.

Ou seja: no Brasil, muita gente não tem casa nem terra, enquanto uns poucos são donos de tanta coisa que mal dão conta de manter e usar de forma adequada.

Grande novidade! É só olhar pela janela pra perceber isso.

Ocupação do MTST em São Paulo
Ocupação do MTST em São Paulo. Foto: Ricardo Stuckert.

4- O que significa MST e MTST? O que são esses movimentos populares?

Nesse contexto de desigualdade brutal que experimentamos no Brasil, uma das piores do mundo, não deveria surpreender ninguém que existam movimentos sociais de trabalhadores rurais sem terra e trabalhadores urbanos sem teto. Eles reivindicam os direitos que lhes são negados.

O MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, foi criado na década de 1980 em uma aliança entre camponeses, padres católicos adeptos da teologia da libertação e intelectuais de esquerda.

Seu objetivo é conseguir reforma agrária e apoiar seus assentados a ter resiliência, por exemplo fazendo transição agroecológica.

O MTST, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, saiu de dentro do MST em 1997 e tem uma atuação semelhante, mas na zona urbana. Esse movimento luta por moradia nas cidades.

Tanto MST quanto MTST usam da tática de ocupação de imóveis abandonados para pressionar o estado a desapropriar e solucionar o problema do deficit habitacional e da concentração de terras.

Sem essa pressão, milhões de pessoas nunca terão um teto ou um pedaço de chão pra plantar sua subsistência.

Não dá pra resolver o problema do MST e do MTST criminalizando os movimentos sociais, nem perseguindo seus líderes, nem com repressão.

Quer resolver o problema do MST? Façamos reforma agrária.

Quer acabar com o MTST?
Vamos conseguir 6,35 milhões de casas.

Quem sempre afirma isso é Guilherme Boulos, líder do MTST que saiu candidato a presidente da Frente Povo Sem Medo nas eleições de 2018 pelo PSOL.

Além do MST e do MTST, existem dezenas de movimentos sociais que lutam por moradia e reforma agrária. Além de muitos outros movimentos populares, como MAB, Movimento dos Atingidos por Barragens

5- O que fazem esses movimentos sociais populares? Eles só fazem ocupação?

Além de pressionar o estado para cumprir seu papel e a Constituição por meio de ocupações, os movimentos por moradia e reforma agrária realizam muita coisa incrível em seus territórios ocupados e assentamentos.

O MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina. Além disso eles tem educação e organização interna democrática muito admiráveis.

Já estive em alguns assentamentos da reforma agrária e fiquei encantado com o que vi. Contra todas as adversidades, eles estão criando o paraíso na terra.

Esse paraíso a que me refiro é transformar pastos abandonados e degradados a décadas em oásis agroecológicos rapidamente, aumentando progressivamente a produtividade apenas com insumos orgânicos.

É construir escolas rurais com ensino de altíssima qualidade, abrir universidades.

É reflorestar terrenos rurais que estavam em processo acelerado de desertificação, fazer chover no sertão e rebrotar nascentes e olhos d’água.

É tomar decisões de forma democrática e inclusiva, se auto-organizando e acolhendo companheiros de luta que ainda não conseguiram chão.

Os assentamentos da reforma agrária e os movimentos de ocupação urbana têm muito a ensinar para ecovilas e comunidades alternativas.

Assentamento Terra Vista MST antes e depois
Ocupação Lanceiros Negros MLB Porto Alegre

6- Mas e a criminalização de terroristas, não é importante?

Outro ponto que merece ser destrinchado é essa ideia de “criminalizar terroristas”.

Essa sanha punitivista leva à limitação de liberdades individuais e deixa todo mundo mais vulnerável à perseguição do estado.

Quanto mais endurecido é o estado, quanto mais totalitário e quanto mais poder ele tem, menores são as garantias e liberdades para todos os cidadãos.

Na ditadura militar, foram torturadas e até executadas pessoas comuns, que eram classificadas como subversivas sem direito a defesa.

Não estou falando de guerrilheiros, mas de padres católicos que acolhiam refugiados seguindo os ensinamentos de Cristo, mulheres grávidas punidas apenas por terem contato com pessoas que eram investigadas, mães que ousavam perguntar sobre o paradeiro de seus filhos, como Zuzu Angel, jornalistas que tiveram a coragem de questionar as autoridades, como Vladmir Herzog, comunidades indígenas inteiras e até mesmo vários “cidadãos de bem” que tentaram usar sua influência para ajudar algum amigo ou parente perseguido injustamente.

Perda de liberdades não é bom pra ninguém. A vítima da perseguição do estado pode ser o “seu inimigo” de hoje, mas amanhã pode ser você ou alguém da sua família ou do seu grupo de amigos.

Talvez você seja o próximo a ser criminalizado, e eu vou lutar pelos seus direitos igualmente, mesmo que você não tenha um mínimo de empatia com trabalhadores que não têm nem onde morar.

Gabriel Siqueira
irradiandoluz.com.br

3 Comentários

  1. Adenir

    Sou contra todos esses movimentos terroristas

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  2. Gabriel G.

    Boa explicação, obrigado! As pessoas tem que entender o movimento e buscar conhecê-lo, antes de criticá-lo. Muitos criticam porque algum “guru” falou que o movimento é ruim, mas não tem ideia do que é feito lá e porque. Como você bem disse, é uma quantidade enorme de pessoas que estão em situação de risco, e o governo está simplesmente dando as costas à elas e as chamando de terroristas, pelo fato de que se organizaram para sobreviver.

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  3. Daniel

    Desculpe, mas quando um movimento invade terras produtivas porque elas estão na mão de alguns poucos, percebe-se que tão errado quanto tipificá-lo de terrorista, é achar que isso não fere o direito individual e portanto não é um crime. Algo tem de ser feito para essas famílias, mas aceitar que elas realizem tais ações é impensável.

    Responder

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