Apreciação Crítica do livro “Marketing de Guerra”, de Al Ries e Jack Trout

por | 15/04/08 | Ciência | 4 Comentários

Marketing de Guerra Al Ries Jack Trout
É impossível, para mim, realizar um trabalho acadêmico a respeito do livro “Marketing de Guerra” (1986), de Al Ries e Jack Trout, sem explicitar uma crítica. Na minha opinião, a visão de mundo e paradigma das quais parte a premissa desta obra ajudam a corroborar o estado de depressão psicológica e falta de sentido da vida que assolam nossa sociedade centrada no mercado. Alberto Guerreiro Ramos chama este fenômeno de síndrome comportamentalista.

“A síndrome comportamentalista é uma disposição socialmente condicionada, que afeta a vida das pessoas quando estas confundem as regras e normas de operação peculiares a sistemas sociais episódicos com regras e normas de sua conduta como um todo”.
Alberto Guerreiro Ramos. A Nova Ciência das Organizações, 1989

Meu propósito com esta crítica é chamar a atenção de meus colegas para questões subjacentes à obra , que por estarem contidas nas entrelinhas, podem passar despercebidas. É o que Alberto Guerreiro Ramos chama de política cognitiva da sociedade centrada no mercado.

“A política cognitiva é a moeda corrente psicológica da sociedade centrada no mercado. Não constitui mero incidente o fato de que, em toda sociedade em que o mercado se transformou em agência cêntrica da influência social, os laços comunitários e os traços culturais específicos são solapados ou mesmo destruídos. (…) A política cognitiva, cujo objetivo é afetar a mente do povo”.
Alberto Guerreiro Ramos

Marketing e a ideologia da sociedade centrada no mercado

“Assim nasceu a Coleção Eficácia Empresarial. Uma contribuição decisiva no sentido de se acelerar (…) o processo de institucionalização da ideologia de marketing em nosso país.”
Milton Mira de Assumpção Filho, Coleção Eficácia Empresarial (introdução à Al Ries e Jack Trout, 1986).

Se, de fato, a ideologia de marketing é fazer as pessoas acreditarem que a vida cotidiana é guerra, então seus idealizadores deveriam ter a consciência de que estão contribuindo para o aumento da incidência de doenças mentais e problemas psicológicos, tais como depressão, estresse e alienação. A ideologia de marketing é um problema de saúde muito mais sério do que alcoolismo, tabagismo e abuso de drogas ilícitas.

Quem quer viver em clima de guerra?

“Assim é o mundo dos negócios, da concorrência, e do marketing: uma verdadeira guerra”.
Francisco Alberto Madia de Souza. Introdução (prefácio à Al Ries e Jack Trout, 1986).

Esta é a maneira pela qual o livro é introduzido pelo editor. Um bom resumo do conteúdo do livro e da triste ideologia que domina nossa sociedade. Afinal de contas, o estado psicológico em que soldados vivem numa guerra é algo que deveria ser evitado pelas pessoas, não buscado e louvado como uma solução para crises econômicas. Já não basta a indústria da guerra ser a principal força motriz do capitalismo global, agora a ideologia de guerra também passa a ser a força psicológica que impulsiona nossa sociedade. Isso não é brincadeira, é coisa séria.

Marketing: ciência, arte ou picaretagem?

“A guerra de marketing é uma tentativa de aplicar pensamento militar a problemas de marketing. Marketing, como disciplina científica, tem menos de 100 anos de idade. Marketing está há muito tempo se desenvolvendo pela prática e dedicando pouco tempo à formulação de uma teoria. A teoria militar pode preencher esta lacuna”.
Al Ries e Jack Trout

“Como a guerra militar, a de marketing é uma arte, não uma ciência”.
Al Ries e Jack Trout

“Diferentemente das obras de arte, que muitas vezes são julgadas por sua originalidade, criatividade e ousadia de pensamento, as estratégias de marketing devem ser julgadas por sua efetividade somente no ponto em que entram em contato com o cliente e com a concorrência.”
Al Ries e Jack Trout

Nas três citações acima, pode-se perceber a falta de consistência dessa obra. Cada afirmação contradiz a anterior, e o leitor fica sem saber se afinal de contas o marketing é arte ou ciência. Se marketing é o que eles estão descrevendo, então acredito que a definição dos editores de “ideologia” serve melhor do que ciência ou arte. Aqui vemos o que Alberto Guerreiro Ramos chama de colocação inapropriada de conceitos.

“Embora a deslocação de conceitos possa constituir um meio valioso, profícuo e legítimo de formulação teórica, pode muito facilmente degenerar numa colocação inapropriada de conceitos. A colocação inapropriada de conceitos contamina, presentemente, o campo da teoria organizacional”.
Alberto Guerreiro Ramos

Visão superficial de história

“Desde a Segunda Guerra Mundial que o Rei Cliente tem reinado com supremacia no mundo de marketing. Mas está começando a parecer que o Rei Cliente está morto e que o pessoal de marketing tem vendido um cadáver à cúpula da organização”.
Al Ries e Jack Trout

A análise histórica do fenômeno do marketing nas empresas apresentada pelos autores é superficial, criadora de mitos e falaciosa, sem nenhum caráter científico. Representa perfeitamente uma visão acrítica e a-histórica da realidade organizacional, que é típica do paradigma funcionalista da teoria das organizações.

“Os teóricos e os praticantes da organização foram, inconscientemente, capturados no domínio da política cognitiva, por se permitirem a formulação de conceitos e métodos, bom como a implementação de estratégias e planos gerenciais que aceitam, sem maiores explicações, o mundo organizacional imediato”.Alberto Guerreiro Ramos


Marketing de Guerra: já não temos violência demais no mundo?

Empresa com foco no cliente: mito ingênuo ou mentira deliberada?

“Hoje, porém, toda empresa é voltada para o cliente”.
Al Ries e Jack Trout

Mais uma afirmação do autor sem a mínima comprovação, apenas mais alguns mitos a serem alimentados. Se for verdade que toda empresa é voltada para o cliente, qual a razão de existir em nosso país um órgão como o PROCON, que contabiliza centenas de milhares de reclamações de consumidores em todas as áreas do mercado?

Talvez os autores vivam em um mundo diferente do meu, mas neste mundo em que eu vivo, não vejo apenas pessoas satisfeitas. Pelo contrário, vejo cada vez mais pessoas insatisfeitas e infelizes, não só com o que consomem, mas também com seus empregos, por serem obrigados a viver em permanente estado de guerra, graças à ideologia do mercado.

“A disciplina organizacional existente (…) focaliza erradamente sua atenção sobre o atendimento da necessidade de personalização dos cidadãos no contexto do ambiente de trabalho. Isso implica uma incompreensão duplamente errada. Primeiro, (…) não percebem que os próprios empregos são incidentais, no processo de personalização; segundo, ao que parece, não levam em conta o fato de que a estrutura de emprego da sociedade avançada de mercado é cronicamente incapaz de proporcionar ocupação para todos os cidadãos dispostos a trabalhar”.
Alberto Guerreiro Ramos

Marketing: satisfação das necessidades ou criação de desejos?

“Hoje, a verdadeira natureza da ação de marketing envolve conflito entre empresas, não a satisfação das necessidades e desejos humanos”.
Al Ries e Jack Trout

Talvez não só hoje seja esta a natureza da ação de marketing, mas desde o advento do capitalismo seja este o princípio norteador das ações das empresas. Por isso, mais uma vez afirmo que a satisfação das necessidades e desejos humanos nunca foi objetivo de nenhuma empresa, e estes nunca serão satisfeitos por organizações cuja ideologia seja a guerra e o cálculo utilitário.

Guerra, Marketing e…. Deus?!?!

“Em guerra, tanto militar como mercadológica, sempre há baixas. Em ambos os lados”.
Al Ries e Jack Trout

Sem dúvida alguma há baixas em ambos os lados. Tanto no lado das empresas, que impõem e acatam esta ideologia, mas também do lado dos consumidores e trabalhadores, sempre deixados de lado e obrigados a viver em guerra, mesmo em tempos de paz.

“‘Deus’, disse Napoleão Bonaparte, ‘está do lado dos grandes batalhões”.
Al Ries e Jack Trout

Tudo bem que o autor da frase é Napoleão Bonaparte, mas os autores perderam mais uma oportunidade de permanecer em seu campo de estudo, que não inclui o simbólico, a ética e a moral. Mas preferiram extrapolar os limites do mercado, falando de Deus, o que definitivamente está muito além das competências de uma economia de mercado.

Mentes mesquinhas só conseguem conceber mediocridade

“As batalhas de marketing são combatidas em um lugar mesquinho e feio. Um lugar escuro e úmido.(…) As batalhas de marketing são combatidas dentro (…) de sua própria mente e a de seus clientes em perspectiva”.
Al Ries e Jack Trout

Pela amostra a qual tive acesso (a obra que é objeto desta apreciação crítica), acredito realmente que a mente dos autores é um lugar mesquinho, feio, escuro e úmido. Mas me incluam fora dessa!

“A essência de uma estratégia sólida é conseguir vencer a guerra de marketing sem brilhantismo tático”.
Al Ries e Jack Trout

Esse aforismo, uma ode à mediocridade, encerra a presente apreciação crítica ao livro “Marketing de Guerra“.

Referências

RAMOS, Alberto Guerreiro. A Nova Ciência das Organizações – Uma reconceituação da riqueza das nações. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1989.

RIES, Al; TROUT, Jack. Marketing de Guerra. 25ª Edição. São Paulo: McGraw-Hill, 1986.

Este artigo foi publicado originalmente em 15/04/2008. Foi revisado e recebeu uma nova roupagem em 12/02/2011.

 

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4 Comentários

  1. Marcelo

    Acho que a crítica deveria ser feita ao sistema capitalista e não ao livro de marketing. Há um livro que fala de marketing não deve ser dado a responsabilidade dos problemas sociais. existe uma incommpreensão do que RIES quiz dizer em relação chama de arte e ciencia. Segundo Ries, o marketing é uma arte, se comparado as açoes militares e nada tem em relação com as artes humanas em geral. O belo para o marketing nada significa se não houver resultado no mercado. Isso que ele quiz dizer. É preciso criticar, mas para isso é preciso entender o que o autor quiz dizer.

    Responder
  2. Gabriel Dread

    Marcelo,

    “É preciso criticar, mas para isso é preciso entender o que o autor quiz dizer.”
    Você realmente entendeu o que eu quis dizer?
    Eu não acho.
    Não estou responsabilizando o Marketing pelos problemas sociais. Repito aqui o que está escrito, repare bem:
    “na minha opinião, a visão de mundo e paradigma das quais parte a premissa desta obra ajudam a corroborar o estado de depressão psicológica e falta de sentido da vida que assolam nosso mundo, nesta sociedade centrada no mercado.”
    Entendeu?
    Não afirmo que o marketing causa problemas sociais, enm que é o responsável por vivermos em uma sociedade centrada no mercado… afirmo que ele é apenas mais um retrato da falta de sentido que grande parte dos indíviduos vivendo neste planeta sentem ao olharem para suas vidas. A meu ver, enxergar o “mercado” como um campo de batalha é uma das patologias de nossa sociedade. Se preferir, entenda “sociedade centrada no mercado” como “capitalismo” ou mesmo “sistema”. Percebe que a minha crítica também se estende ao “capitalismo”, e que o referido livro foi apenas um meio de expressar isso?

    Se o autor quer conferir um novo sentido à palavra “arte”, era melhor ele ter explicitado isso. Mesmo que ele faça a distinção entre as belas artes e a arte da guerra, ainda assim as três citações que destaquei continuam a se contradizer.
    Afinal, em uma delas, afirma que a Teoria Militar pode suprir a lacuna existente no Marketing como “disciplina científica” (você me permite chamar isso de ciência?), enquanto na citação seguinte, afirma que a guerra militar (e a de marketing) é uma arte, não uma ciência. Como então é possível preencher a lacuna na “disciplina científica” (sic!) acima referida?

    Um abraço
    Gabriel

    Responder
  3. William Garibaldi

    Que pensamento forte, que Blog Vivo!
    Gostei!
    Te vi lá no Cova do Urso e vim conferir!
    Abraço!

    Responder
  4. Anônimo

    Se o Marketing fosse o problema da sociedade isso seria um presente para a humanidade.

    Responder

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