Hoje é Dia da Consciência Negra. Quero aproveitar essa ocasião especial para falar de um preto que mudou minha vida. Não, não é Bob Marley (mas poderia ser) 😀
Estou falando de Alberto Guerreiro Ramos, um dos maiores intelectuais brasileiros, e provavelmente o maior sociólogo do país.
Sua obra acadêmica é reconhecida internacionalmente. Suas pesquisas ajudam até hoje o campo de administração a ser capaz de inovar e levar em consideração a dimensão da sustentabilidade ambiental em seu domínio, “respeitando os limites biofísicos do planeta”, como ele afirmava.
Seu livro A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações mudou minha vida, e resultou no meu trabalho de conclusão de curso sobre tomada de decisão por consenso e minha dissertação de mestrado sobre tensão entre a racionalidade substantiva e instrumental na gestão de ecovilas.
Entre os principais conceitos do Divino Mestre com os quais trabalho, estão:
- A redução sociológica, uma pioneira proposta de descolonização da ciência brasileira já em 1958!
- Síndrome comportamental, uma doença das sociedades centradas no mercado que leva as pessoas a se comportarem como robôs, meras engrenagens do sistema de produção
- Racionalidade Substantiva, uma refundação do conceito de razão, resgatando a luminosidade, a ética e a solidariedade como aspectos fundamentais de nossa humanidade, e propondo uma nova ciência baseada nesses princípios.
Em homenagem a esse grande ser humano, que merecia muito mais elogios à sua obra e reconhecimento, que publico essa pequena biografia de Alberto Guerreiro Ramos. Com vocês, o Divino Mestre….
Alberto Guerreiro Ramos (1915 – 1982) nasceu em Santo Amaro da Purificação, Bahia, no dia 13 de setembro de 1915.
“Deus me tornou bárbaro.
Deus me tornou insubmisso.
E protesto contra os homens que estão mergulhados no esquecimento.
Que estão tiranizados pela ordem, pela opinião, pela civilização”.
Em 1956, Pitirim A. Sorokin inclui Guerreiro Ramos entre os autores eminentes que mais contribuíram para o progresso da Sociologia no mundo na segunda metade do século XX.
Deputado de agosto de 1963 a abril de 1964, teve seus direitos políticos cassados pelo Ato Institucional nº 1.
Guerreiro Ramos foi obrigado a se exilar do país em 1966, radicando-se nos Estados Unidos, onde inspirou toda uma geração de estudantes como professor da Escola de Administração da Universidade do Sul da Califórnia (University of the South California – USC).
É autor de dez livros e de numerosos artigos, muitos dos quais têm sido disseminados em inglês, francês, espanhol e japonês. Alberto Guerreiro Ramos pronunciou conferências em Pequim, Belgrado e na Academia de Ciências da União Soviética. Nos anos de 1972 e 1973 foi “visiting fellow” da Yale University e professor visitante da Wesleyan University e da Universidade Federal de Santa Catarina.
Nesse vídeo em inglês, Alberto Guerreiro Ramos apresenta sua derradeira obra, A Nova Ciência das Organizações. Confira o raro registro do Divino Mestre em ação!
Alberto Guerreiro Ramos e a Ancestralidade Africana
“O Velho Guerreiro me ensinou a sempre lembrar que ele era da Bahia, e tinha um grande orgulho de nossa ancestralidade Africana. O pai de Guerreiro, meu avô Vitor Juvenal Ramos, nasceu escravo em 1873, mas do tal Ventre Livre. A mãe de meu avô [avó de Alberto Guerreiro Ramos] nasceu na Angola, e foi por sua própria familia vendida ao negreiro. Depois de sermos exilados da Pátria Amada, nenhum de nós voltou ao Brasil, a não ser para visitar familia.” Alberto Guerreiro Ramos, Filho.
Alberto Guerreiro Ramos sempre demostrou muito orgulho de sua ancestralidade africana. O Teatro Experimental do Negro (TEN), de Abdias Nascimento, criou um departamento de estudos e pesquisas denominado Instituto Nacional do Negro, coordenado por Guerreiro Ramos.
Ele concluiu que ressentimento é uma das matrizes psicológicas mais decisivas do homem negro brasileiro, e considerava grupoterapia com base no psicodrama como um espaço que possibilita catarse e reflexão das seqüelas trazidas de um passado escravo, de uma vivência de ausência de um lugar, de uma identidade fragmentada.
Conviveu num contexto acadêmico em que “os estudos sobre os negros brasileiros“, como ele definiu, já estavam consolidados e eram realizados quase que exclusivamente por pesquisadores brancos.
Guerreiro destaca o fato de que os trabalhos sociológicos deveriam ajudar a encontrar saídas para a marginalidade da população negra brasileira, em vez de simplesmente descrever a cultura.
De acordo com ele, os estudos produzidos em nada contribuíam para melhorar a vida dos negros brasileiros, uma vez que a ênfase era atribuída aos aspectos exóticos, ou melhor, os negros eram vistos como um espetáculo.
“Há o tema do negro e há a vida do negro. Como tema, o negro tem sido, entre nós, objeto de escalpelação perpetrada por literatos e pelos chamados ‘antropólogos e sociólogos’. Como vida ou realidade efetiva, o negro vem assumindo o seu destino, vem se fazendo a si próprio, segundo lhe têm permitido as condições particulares da sociedade brasileira. Mas uma coisa é negro-tema; outra, é negro vida”.
Ao refletir sobre essas dimensões Guerreiro Ramos tece considerações acerca da patologia social dos brancos brasileiros e, principalmente, da patologia dos brancos nordestinos.
A patologia, ou protesto da minoria branca nos estados dessas regiões consistia numa constante reivindicação das origens da própria brancura, o que Guerreiro às vezes define como a perturbação psicológica em sua auto-avaliação estética; além de demonstrar “inferioridade sentida com excessiva intensidade e superioridade, desejada, mas fictícia“, por isso, “Ao tomar o negro como tema, elementos da camada ‘branca’ minoritária se tornam mais brancos, aproximando-os de seu arquétipo estético – que é o europeu“.
“Mas eu escrevi antes deles, antes do estudo do Florestan. Primeiro, eu fiz o congresso dos negros brasileiros e o expliquei como o congresso de brancos brasileiros. O sujeito analisava o sangue do negro brasileiro, o tamanho do nariz, o cabelo etc. Era preciso, assim, analisar o sangue, o nariz e o cabelo do branco brasileiro. Há um estudo meu chamado ‘Patologia do Branco Brasileiro’ onde eu inverti o problema. Num país de negro como o nosso, falar do problema do negro é uma cretinice”.
Guerreiro tem uma forma de fazer ciência e de produzir conhecimento que vai de encontro aos moldes hegemônicos, que se contrapõe à nossa propalada cordialidade.
O estilo contraditório e provocador adotado por Guerreiro destoa do nosso estilo polido de fazer ciência. As críticas dirigidas por Guerreiro a nomes consagrados nas ciências sociais brasileiras como Florestan Fernandes, não deixam dúvidas disso.
Artigos sobre Alberto Guerreiro Ramos
Alberto Guerreiro Ramos, vida e obra do maior sociólogo do Brasil
Alberto Guerreiro Ramos foi um dos maiores intelectuais brasileiros, e provavelmente o maior sociólogo do país. Sua obra acadêmica é reconhecida internacionalmente. Suas pesquisas ajudam até hoje o campo de administração a ser capaz de inovar e levar em consideração a dimensão da sustentabilidade ambiental. Guerreiro tem uma forma de fazer ciência e de produzir conhecimento que vai de encontro aos moldes hegemônicos, que se contrapõe à nossa propalada cordialidade. As críticas dirigidas por Guerreiro a nomes consagrados nas ciências sociais brasileiras como, Florestan Fernandes, não deixam dúvidas sobre o seu estilo. Leia sua biografia completa: Alberto Guerreiro Ramos, vida e obra do maior sociólogo do Brasil
Gestão de Ecovilas: Dissertação de Mestrado de Gabriel ‘Dread’ Siqueira
O que é uma ecovila? Como se administra uma ecovila? Qual a diferença entre uma ecovila e uma comunidade alternativa? Como acontece a gestão em uma comunidade intencional? Foram essas inquietações que me levaram a escolher a gestão de ecovilas como tema da minha dissertação de Mestrado em Administração pela UFSC, que concluí em julho de 2012. Para realizar minha pesquisa, fiz um mapeamento das ecovilas, comunidades intencionais sustentáveis e comunidades alternativas existentes no Brasil. Encontrei referência a pelo menos 99 comunidades ativas no país. Leia o artigo completo: Gestão de Ecovilas: Dissertação de Mestrado de Gabriel ‘Dread’ Siqueira – Como é a administração de uma ecovila?
A redução da Redução Sociológica de Alberto Guerreiro Ramos
A Redução Sociológica pressupõe um olhar criterioso sobre a ciência. A principal preocupação de Guerreiro Ramos era ser um sociólogo “em mangas de camisa”, inserido e atuante em seu contexto social, adotando uma postura política transformadora. Ele estava se rebelando contra a sociologia que era (e ainda é) dominante nas universidades brasileiras: uma sociologia “de gabinete”, distante da realidade nacional, e “consular”, onde o sociólogo atua menos como um solucionador de problemas e mais como representante de uma teoria estrangeira incapaz de explicar a realidade local, apoiando assim a dominação cultural e científica que os países periféricos sempre sofreram e continuam sofrendo.. Leia o artigo completo: A redução da Redução Sociológica de Alberto Guerreiro Ramos
A Síndrome Comportamental, de acordo com Alberto Guerreiro Ramos
Onde quer que a articulação do pensamento não encontre critérios de exatidão, não existe sabedoria. A síndrome comportamentalista faz com que o indivíduo se comporte como uma engrenagem. Alberto Guerreiro Ramos analisa a base psicológica da teoria organizacional e da ciência social em voga. O autor considera que as organizações são sistemas cognitivos e que seus membros em geral assimilam, interiormente, tais sistemas e assim, sem saberem, tornam-se pensadores inconscientes. Leia o artigo completo: A Síndrome Comportamental, de acordo com Alberto Guerreiro Ramos
Consenso e a racionalidade substantiva, TCC de Gabriel ‘Dread’ Siqueira
Vivemos em uma democracia participativa (ou não), onde a vontade da maioria é entendida como antagônica à da minoria. Esta minoria fica assim excluída do processo decisório político. O conflito é punido e reprimido na democracia. O consenso é a superação da democracia excludente. O objetivo do consenso é convergir alternativas e possibilidades de atender a necessidades de diferentes grupos e setores sociais em soluções conciliatórias. O conflito é uma etapa necessária do processo de consenso. É neste contexto que elaborei meu Trabalho de Conclusão do Curso de Administração. Leia o artigo completo: Consenso e a racionalidade substantiva, trabalho de conclusão do curso de Gabriel ‘Dread’ Siqueira
A Grande Transformação, de Karl Polanyi
O futuro de alguns países já pode ser o presente em outros, enquanto alguns ainda podem incorporar o passado dos demais. Mas o resultado é comum a todos eles: o sistema de mercado não será mais auto-regulável, mesmo em princípio, uma vez que ele não incluirá o trabalho, a terra e o dinheiro. Karl Paul Polanyi foi um um filósofo, economista e antropólogo húngaro que inspirou muito a obra de Alberto Guerreiro Ramos. Ele é conhecido por sua oposição ao pensamento econômico tradicional. Leia o artigo completo: A Grande Transformação, de Karl Polanyi
Empowerment: uma abordagem crítica
Empowerment, em português, significa “dar poder a”. No entanto, no contexto da Teoria das Organizações, empowerment é mais uma “tecnologia”, “modelo”, “técnica” ou até mesmo “modismo” da prática administrativa, recentemente muito popular nos círculos gerenciais. Deve-se atentar para o fato de que empowerment, assim como outras “tecnologias revolucionárias” e “tendências” administrativas, podem ser (e geralmente são) instrumentos de controle, maneiras de legitimar o papel central das organizações econômicas na vida de seus funcionários. Leia o artigo completo: Empowerment: uma abordagem crítica
Apreciação Crítica do livro “Marketing de Guerra”, de Al Ries e Jack Trout
Marketing de Guerra: já não temos violência demais no mundo? É impossível, para mim, realizar um trabalho acadêmico a respeito do livro “Marketing de Guerra” (1986), de Al Ries e Jack Trout, sem explicitar uma crítica. Na minha opinião, a visão de mundo e paradigma das quais parte a premissa desta obra ajudam a corroborar o estado de depressão psicológica e falta de sentido da vida que assolam nossa sociedade centrada no mercado. Leia o artigo completo: Apreciação Crítica do livro “Marketing de Guerra”, de Al Ries e Jack Trout
A Nova Ciência das Organizações: uma reconceituação da riqueza das nações
Foi a última obra publicada por Alberto Guerreiro Ramos, em 1981. Este livro foi publicada originalmente em inglês pela Universidade de Toronto (University of Toronto) com o título “The new science of organizations: a reconceptualization of the wealth of the nations”. É o resultado de suas pesquisas sobre a redução sociológica como “superação da ciência social nos moldes institucionais e universitários em que se encontra”. Uma proposta revolucionária de ciência, embasada em uma racionalidade substantiva. Leia o artigo: A Nova Ciência das Organizações: uma reconceituação da riqueza das nações, de Alberto Guerreiro Ramos
Conheci Guerreiro Ramos,creio nos anos 70, atraves de Luiz Carlos Pinheiro Machado,que almocaram em minha casa.Inteirei me de sua obra,desde entao meu paradigma intelectual.Pena que seu ideario esteja esquecido neste pobre Brasil.